FÁSCIA: Um Tecido Uno e Singular
Entendido como um tecido, ora de preenchimento, ora de ligação, ora de suporte, ora de revestimento, o tecido conjuntivo, em sua diversidade constitucional, começou a ser efetivamente compreendido a partir dos últimos 15 anos. Tais esclarecimentos se tornam viáveis com as pesquisas celulares na área da oncologia, e com os sofisticados equipamentos de imagens que permitem a aproximação dos olhos dos misteriosos detalhes estruturais presentes na intimidade do corpo humano. A pesquisa científica e as práticas de dissecação vêm se ocupando de suas questões para atender à toda ordem de curiosidades a seu respeito. E, os desfechos de tais investigações apontam na direção de novos entendimentos de estabilidade, integração e autorregulação biológica.
O termo “Sistema Fascial”, refere-se às propriedades funcionais do tecido em escala macroscópica, segundo o Comitê de Nomenclatura da Fáscia - "Sistema fascial consiste no contínuo tridimensional de tecidos conectivos moles, contendo colágeno, frouxos e densos que permeiam o corpo. Ele incorpora elementos como tecido adiposo, adventícia e bainhas neurovasculares, aponeuroses, fáscias profundas e superficiais, epineuro, cápsulas articulares, ligamentos, membranas, meninges, expansões miofasciais, periósteas, retináculos, septos, tendões, fáscias viscerais, todas as artérias intramusculares e extramusculares, além de tecidos conjuntivos intermusculares incluindo endo/peri/epimísio. Interpenetra e envolve todos os órgãos, músculos, ossos e fibras nervosas, dotando o corpo de uma estrutura funcional e proporcionando um ambiente que permite que todos os sistemas do corpo operem de maneira integrada". (FNC, apud SCHLEIP et al., 2019).
O tecido conjuntivo está constituído por células, matriz extracelular (MEC) e fibras e sua célula primária é o fibroblasto que produz e mantém a MEC. Esta, por sua vez, tem como principal componente a água e sua viscosidade peculiar, tal como um gel, é constituída de proteoglicanos, glicoproteínas e glicosaminoglicanos que permitem a hidratação, a difusão de nutrientes e a nutrição do tecido. A variação constitucional dos três tipos de fibras proteicas: colagenosas, elásticas e reticulares e seus diferentes arranjos, resultam em diferentes tipos de organização do tecido conjuntivo.
Em nível macroscópico, organiza-se em camadas: epiderme, derme, hipoderme e fáscia superficial ligada aos sistemas linfático e venoso, sendo responsável pela sua nutrição e participando do sistema imunológico. Na camada subsequente, encontra-se a fáscia profunda, que envolve grupos musculares (epimisio, perimisio, endomisio); o sistema nervoso (epineuro, perineuro, endoneuro); as meninges (duramáter, piamáter, aracnóide-máter); em nível visceral (parietal, visceral); e, ainda, forma a camada adventícia dos vasos sanguíneos do corpo.
No que se refere à organização estrutural, o tecido fascial afina-se com o conceito da tensegridade, da engenharia, cunhado por Buckminster Fuller na década de 1960. Esta define que arranjos estruturais triangulares asseguram um contínuo tensivo, onde residem ilhas de compressão que fornecem estabilidade e integração. Aplicado, então, ao sistema biológico, a biotensegridade reformula princípios relacionados à unidade, sistema, função e, principalmente, estabilidade. A biotensegridade justifica a função osteoblástica do esqueleto, a remodelação conjuntiva, a plasticidade neural ao longo de toda a vida, e a responsabilidade do movimento em promover e mantê-las todas ativas em nome da saúde, da autonomia e da longevidade.
As capacidades sensoriais da fáscia têm sido cuidadosamente investigadas nos últimos anos. Os aspectos emocionais peculiares da espécie humana e suas qualidades de movimento parecem encontrar ressonância no seu potencial sensorial. Dotada de receptores neurais para a percepção tátil, proprioceptiva, de temperatura, ph, cisalhamento, pressão e distensão, sensíveis ao trânsito de estímulos proprioceptivos, nociceptivos e interoceptivos, envia informações para as estruturas corticais, cujas integrações são responsáveis pela congruência das mesmas promovendo funções ou disfunções compartilhadas. Desta forma, sugerindo que disfunções proprioceptivas podem estar relacionadas com desorganizações interoceptivas que geram doenças específicas.
Alguns autores sugerem que as emoções positivas que ativam o córtex insular esquerdo e o SNA parassimpático podem promover um relaxamento das fáscias musculares, enquanto as emoções negativas ativam o córtex insular direito e o SNA simpático promovendo tensionamento das mesmas. Indiscutivelmente, a regulação do sistema biológico com vistas à homeostase, depende da interdependência entre todos eles, tendo o sistema fascial papel preponderante, devido ao alcance da sua distribuição e suas propriedades funcionais.
Nos últimos anos, os estudos sobre o comportamento do sistema muscular e ganho de força vêm demonstrando que os trabalhos segmentares não oferecem a mesma potência que aqueles que envolvem a simultaneidade de movimentos em todo o corpo. E que, na verdade, o sistema muscular estabelece um diálogo ativo com o sistema fascial, criando conexões fundamentais para o armazenamento de energia, a transmissão de força e a performance de movimentos em qualquer um dos seus níveis. Estes achados destacam o papel das fáscias profundas na coordenação periférica de músculos agonistas, antagonistas e sinérgicos.